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Mostrando postagens de junho, 2024

"O CAPITALISMO NÃO PARA DE REVOLUCIONAR CONSTANTEMENTE SUAS PRÓPRIAS BASES SOCIAIS."

[Entrevista com a filósofa Clara Ramas San Miguel por Hugo de Camps Mora e publicada em CTXT , em 20/072024. Tradução: Haroldo Gomes] Sem sombra de dúvida, a nostalgia e a melancolia se tornaram duas das emoções mais características do momento em que vivemos. Há saudosistas de praticamente todos os matizes ideológicos e, como se a possibilidade de vislumbrar um futuro fosse necessariamente cancelada, parece que a necessidade de “voltar para casa” tornou-se hoje mais intensa do que em outros períodos históricos. Nesse contexto, a questão que inevitavelmente surge é o que fazer com esses sentimentos.  Deveríamos permitir que eles formassem a base de um programa político ou deveríamos desconfiar de nós mesmos quando nos deparamos com a "saudade" de uma era perdida? Lendo a obra de Proust de uma perspectiva marxista e psicanalítica, a filósofa Clara Ramas San Miguel (Madri, 1986) tentou responder a essas perguntas em seu último livro, El tiempo perdido. Contra la Edad Dorada: u

UM REGIME DE GUERRA GLOBAL

 [Por MICHAEL HARDT e SANDRO MEZZADRA . Publicado em Euronomade , em 23/5/2024. Tradução : equipe Vapor ao Vento] Parece que entramos em um período de guerra sem fim, que se estende a diferentes partes do planeta e desestabiliza até mesmo os pontos centrais do sistema mundial. Cada conflito contemporâneo tem sua própria genealogia e seus próprios interesses, mas vale a pena dar um passo atrás e colocá-los em uma estrutura mais ampla. Nossa hipótese é que está surgindo um regime de guerra global, no qual a governança e as administrações militares estão intimamente ligadas às estruturas capitalistas. Para compreender a dinâmica das guerras individuais e formular um projeto de resistência adequado, é necessário entender os contornos desse regime. Tanto a retórica quanto as práticas da guerra global mudaram radicalmente desde o início dos anos 2000, quando o "Estado pária" e o "Estado fracassado" eram conceitos ideológicos fundamentais para explicar a eclosão de confli

APRENDENDO A PENSAR SOBRE A ESPERANÇA

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 [artigo de John Holloway , publicado em Comune , em 2/5/2024 . Tradução: equipe Vapor ao Vento] "Mudar o mundo sem tomar o poder" há vinte anos causou escândalo na esquerda e discussão nos movimentos. Agarramo-nos a esse texto com força e entusiasmo, e não apenas porque contribuímos para a sua divulgação. Crack capitalism ajudou-nos então a reconhecer as fissuras que nunca param de se abrir no muro do capitalismo. Provavelmente Comune não existiria sem esses dois livros.  La speranza. In un tempo senza speranza que agora encerra a trilogia de John Holloway, é uma obra que exala raiva e vontade de lutar e, portanto, subverte os pensamentos e sentimentos que dominam essa época. Para Holloway, aprender a ter esperança é aprender a pensar em esperança: Bloch chamou isso de "docta spes" para diferenciá-lo do pensamento positivo, que não faz nada para mudar o mundo. É por isso que a nossa esperança é muitas vezes angustiada pelo que está acontecendo em todos os canto

DO AMOR À PÁTRIA. QUE PÁTRIA, CARA-PÁLIDA?

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Texto de Haroldo Gomes O Patriotismo é o sentimento de orgulho, amor e devoção à pátria, aos seus símbolos (bandeira, hino, brasão, riquezas naturais e patrimônios material e imaterial, dentre outros) e ao seu povo. A pátria é esse espaço telúrico e moral, cultural e afetivo, onde cada natural se cumpre humana e civicamente. O amor à pátria almeja sobrepor-se às diferenças, às desigualdades sociais, às injustiças sociais presentes naquele território ao longo de sua história, ao abandono dos cidadãos pelo Estado. Imagine-se cultivar este amor no Brasil. Cante-se o hino nacional, hasteie-se a bandeira, estimule-se o amor ao patrimônio material e imaterial do país. E tudo se resolve. Na rua em que moro tem uma escola privada, que trabalha com educação infantil e os primeiros anos do ensino fundamental. Alguns dias da semana, pela manhã, antes de sair para o trabalho, ouço uma mulher que assume o microfone e dá um "sermão" (no formato "carão", mesmo) de uns 30 minutos n

KAFKA E SUA DESESPERADA ESPERANÇA

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[Artigo de Marcello Tarì , publicado em Settimana News , em 3/6/2024 . Tradução: Vapor ao Vento] No centro da obra de Franz Kafka - e, no centenário de sua morte (3 de junho de 1924), parece-me uma questão de justiça afirmar isso - está uma meditação ininterrupta sobre a esperança . Sei que essa afirmação pode parecer bizarra para muitos, considerando que o nome do escritor de Praga se tornou, na cultura de massa, ou melhor, no “espírito do mundo”, sinônimo do oposto, ou seja, de desespero absoluto e feroz. Esperança, o poder de outro tempo Mas esse julgamento, feito anonimamente, porque as massas não têm nome, é exatamente o tipo de julgamento com o qual Kafka se deparou ao longo de sua vida, que, no caso dele, se confunde inteiramente com sua escrita. O verdadeiro desespero é este mundo , esta massa anônima e julgadora, não Kafka. Nesse sentido, nunca se trata, para ele, de esperança entendida como otimismo fátuo, ou seja, precisamente a falsa esperança mundana que Kafka teve o cuida

ABRE DO OLHO, PARNAMIRIM (1)

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Esses dias circulou nas redes sociais trecho de uma entrevista de uma pessoa que se apresenta como pré-candidata à Prefeito/a de Parnamirim e foi de assustar.  A pessoa disse: "Sou candidata contra o aborto e a favor da vida, sou cristã e a favor da família. Não sou esquerdista." E ponto final.  Parnamirim é uma cidade que se aproxima dos 300 mil habitantes. Uma cidade litorânea com muitos problemas: crescimento urbano desordenado, algumas áreas de constantes alagamentos que se repetem todo ano no período das chuvas, violência urbana, atendimento precário na saúde, desemprego e tantos outros. Uma cidade que já foi berço de importante polo industrial (especialmente têxtil) e que, com o fim das isenções de impostos e o processo de desindustrialização que vive o país nos últimos anos, se desfez. Uma cidade com muitos problemas sobre os quais os candidatos precisam se debruçar e oferecer alternativas viáveis e definitivas em forma de propostas. Uma cidade que operou em 2023 com 8

A MATÉRIA MUTANTE DO ARTESANATO FUTURO

[artigo de Lucas Muñoz Muñoz , designer e professor da Escuela de Arquitectura de la Universidad de Navarra , publicado em Ethic , em 4/6/2024 . Tradução: Haroldo Gomes]  Estamos caminhando para um possível futuro em que a produção será deslocada da indústria e reduzida à escala da vizinhança. Um futuro no qual a logística encurta suas distâncias ou, pelo menos, um futuro no qual, uma vez que um objeto se desloca de sua primeira fábrica, a matéria que o compõe continua oscilando em trajetórias curtas por mais tempo no mesmo território, mudando de forma. A morte do fetiche material é a vida eterna da ideia que, liberta do objeto, é trocável e revisitável a custo zero. Um futuro status quo que chegará com o culminar de um processo que poderá acabar por ser conhecido como a grande digitalização. Há mais de uma década, o sociólogo Manuel Castells anunciou que a grande maioria da informação mundial já está digitalizada . Essa dinâmica não parou e não só imagens, vídeos, áudios e textos são