"O CAPITALISMO NÃO PARA DE REVOLUCIONAR CONSTANTEMENTE SUAS PRÓPRIAS BASES SOCIAIS."

[Entrevista com a filósofa Clara Ramas San Miguel por Hugo de Camps Mora e publicada em CTXT , em 20/072024. Tradução: Haroldo Gomes] Sem sombra de dúvida, a nostalgia e a melancolia se tornaram duas das emoções mais características do momento em que vivemos. Há saudosistas de praticamente todos os matizes ideológicos e, como se a possibilidade de vislumbrar um futuro fosse necessariamente cancelada, parece que a necessidade de “voltar para casa” tornou-se hoje mais intensa do que em outros períodos históricos. Nesse contexto, a questão que inevitavelmente surge é o que fazer com esses sentimentos.  Deveríamos permitir que eles formassem a base de um programa político ou deveríamos desconfiar de nós mesmos quando nos deparamos com a "saudade" de uma era perdida? Lendo a obra de Proust de uma perspectiva marxista e psicanalítica, a filósofa Clara Ramas San Miguel (Madri, 1986) tentou responder a essas perguntas em seu último livro, El tiempo perdido. Contra la Edad Dorada: u

A HORA DA REFEIÇÃO É SAGRADA?


 [artigo de Traver Pacheco, publicado em Ethic, em 03/07/2024. Tradução: Haroldo Gomes]

A mesa da família já foi o epicentro da vida cotidiana, um lugar sagrado onde as famílias se reuniam para compartilhar alimentos, conversas e afeto. Entretanto, na sociedade atual, esse ritual tem se tornado cada vez menos relevante. Por que passamos cada vez menos tempo comendo? A resposta está em vários fatores sociais e culturais, bem como nas tendências atuais do setor de alimentos.

Por um lado, o aumento do setor de alimentos ultraprocessados contribuiu muito para esse novo hábito. Os alimentos altamente processados e pré-embalados se tornaram a norma, oferecendo alimentos rápidos que exigem pouco tempo de preparo. Na Espanha, de acordo com uma pesquisa da Universidade de São Paulo, 20,3% dos alimentos que consumimos hoje já são classificados como ultraprocessados. Somos o segundo país mediterrâneo com o maior consumo desses produtos, atrás apenas de Malta, o que significa que quase um quarto dos alimentos que ingerimos é carregado de açúcar, sal, gorduras, aditivos e conservantes artificiais.

De acordo com Javier Sánchez Perona, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa da Espanha (CSIC) no Instituto de la Grasa e autor do livro Los alimentos ultraprocesados, essas são "formulações feitas de substâncias e aditivos derivados de alimentos nos quais outros alimentos não podem ser identificados em sua forma original e que, além disso, têm pouca fibra alimentar, proteínas, vitaminas e minerais".

Uma realidade que, longe de ter atingido seu pico, continua a crescer exponencialmente. De acordo com um estudo recente do WorldPanel realizado pela Kantar, o consumo de alimentos prontos para consumo aumentou 11% em relação ao ano passado, o que se traduz em um gasto estimado de mais de 1,9 bilhão de euros. Esse aumento reflete não apenas uma mudança nas preferências alimentares, mas também uma mudança em nossos hábitos e prioridades diárias. Longas jornadas de trabalho, compromissos sociais e familiares, a busca constante por eficiência ou a crescente popularidade dos aplicativos de entrega em domicílio são alguns dos principais fatores que colocaram as refeições feitas em casa e os jantares em família em segundo plano.

No entanto, em meio a essa avalanche de alimentos ultraprocessados, também estão surgindo movimentos contraculturais que defendem o retorno aos alimentos de uma vida inteira. O movimento "slow food" ou a filosofia da "comida de verdade", com o objetivo de promover a produção de alimentos em pequena escala, a diversidade de culturas, a agricultura orgânica ou o comércio justo, estão ganhando cada vez mais força. Esses movimentos, embora com diferentes nuances em suas abordagens, nos instigam a substituir a cultura do rápido e do conveniente por uma alimentação mais consciente, ligada a alimentos naturais e frescos, que nos leva a redescobrir o prazer de preparar e saborear alimentos de qualidade.

Por outro lado, não devemos ignorar o custo oculto que o fast food tem sobre nossa saúde e bem-estar. Apesar de seu aparente conforto, ele tem sido associado a um maior risco de várias doenças, incluindo câncer, doenças cardiovasculares e digestivas, bem como maior mortalidade. Além disso, um estudo recente publicado na revista Clinical Gastroenterology and Hepatology descobriu uma nova doença associada ao seu consumo: a doença hepática gordurosa não alcoólica, que pode ser fatal a médio e longo prazo.

Até o momento, várias pesquisas anteriores sugeriram uma ligação entre fast food, obesidade e diabetes, mas esse seria um dos primeiros estudos a demonstrar o impacto negativo do fast food na saúde do fígado.

Os alimentos não são apenas o combustível para nossos corpos, mas também um elo vital que nos conecta ao nosso ambiente imediato e reflete nossas prioridades e valores como sociedade. Tornar-se mais consciente de nossas escolhas alimentares e promover uma relação mais consciente com os alimentos é cultivar uma vida mais saudável e satisfatória para todos.

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