Como o neoliberalismo destrói a democracia

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 [artigo de Christian Laval publicado em Viento Sur , em 8/4/2024. Tradução: Haroldo Gomes] A observação é clara. As democracias liberais e parlamentares, ligadas aos chamados Estados de Direito, são confrontadas externamente por regimes que abominam essa forma política, enquanto internamente são sabotadas por uma grande fração de forças de direita ou de extrema direita. Os recentes sucessos eleitorais das formações mais nacionalistas e xenófobas na Itália, Holanda e Alemanha atestam isso. Não se trata aqui de aprovar o desempenho das democracias parlamentares que estão historicamente ligadas ao colonialismo e que deram uma roupagem liberal à exploração capitalista da força de trabalho. Em vez disso, trata-se de mostrar como o neoliberalismo, como um modo geral de organização econômica e social em todos os níveis da vida, funcionou e continua a funcionar como uma máquina formidável para a destruição da democracia liberal. Foi isso que levou alguns autores, como Wendy Brown, a falar de

Amador Fernández-Savater: "O problema hoje não é a falta de atenção, mas a falta de desejo"

(Entrevista de Amador Fernández-Savater no Diario de Sevilla, em 28/05/2023. Tradução: Haroldo Gomes)

Autor de Habitar y gobernar; inspiraciones para una nueva concepción política (2020) y La fuerza de los débiles; ensayo sobre la eficacia política (2021), o pesquisador, ativista, editor, "filósofo pirata" Amador Fernández-Savater coordena com Oier Etxeberría a obra El eclipse de la atención (Ned, 2022), onde reúnem doze autores que questionam o que os transtornos de atenção estão nos dizendo, "mais agressivos em nosso tempo", diz ele, e como eles podem ser combatidos a partir da reflexão e da arte da presença.

–‘El eclipse de la atención’. Não fala de déficit nem de perda, por quê?

– Porque a ideia é mudar a percepção do problema. O que me vem à mente, efetivamente, é falar sobre perda, déficit ou distração e o que pensamos é que há um efeito de saturação, uma captura da atenção. A imagem do eclipse está implícita naquela famosa cena da filosofia que narra o encontro de Alexandre Magno e Diógenes o Cínico. Alexandre diz a ele: "Eu o admiro muito, peça-me o que quiser e eu lhe darei", e o filósofo em seu barril apenas pede que ele se afaste porque está bloqueando o sol. E nesse livro, um dos autores usa essa história para dizer que hoje milhares de crianças alexandres magnos, que são os dispositivos, telefones celulares, redes sociais, eles também nos dizem que vão nos conceder os desejos. Portanto, o que precisamos é nos reconectar com o sol de nossa atenção.

– Como eles captam nossa atenção?

– Economia da atenção, nossa atenção se torna uma mercadoria: olhe para mim!, "olhe para o meu produto", "fui feito para você", "sou especial". Outra forma de saturação é a delegação de atenção que damos a algoritmos, protocolos, normas e padrões... O que chamamos de automação da atenção.

– Isso me leva à questão da saúde pública. Tivemos médicos em greve, entre outras coisas, devido a protocolos de tempo que eles consideram muito curtos para atender aos pacientes.

– Acho que o caso do setor de saúde é a melhor maneira de explicar que o cuidado é uma questão coletiva e política. A atenção não é uma questão de concentração, mas é a base do relacionamento com o outro, é uma forma de ouvir. O cuidado não é apenas meu, ele tem a ver com condições de cuidado que são coletivas e, portanto, políticas.  Professores ou profissionais de saúde, por mais que tentem fazer seu trabalho bem feito, se não houver tempo, se não houver recursos, se houver precariedade, se houver pressão ou muita demanda... As condições de atendimento são ruins. O mundo, o relacionamento com o outro, está de alguma forma em jogo na atenção.

– As redes nos controlam, as telas nos controlam... Desistimos da batalha?

– Acho que, em geral, é muito fácil recorrer à reclamação permanente e a uma satisfação perversa de ser vítima. Para mim, culpar as tecnologias é colocar o problema onde ele não está. Em El eclipse de la atención recuperamos um texto de Simone Weil que diz: "onde há desejo, há atenção". O problema hoje não é a falta de atenção, mas a falta de desejo. Mas se ativarmos o desejo, que não é capricho, que não é desejo por um objeto, que não é desejo de consumo, mas o motor que impulsiona você na vida, então haverá atenção. Eu diria que nossa falta de desejo real nos faz recorrer a compensadores: aos celulares, às redes... A todos os compensadores que esta sociedade nos dá e que são infinitos. E, sim, a responsabilidade recai sobre nós, e o que culpamos é o efeito e não a causa.

– A pergunta milionária: como podemos recuperar o desejo?

– Não posso dar receitas para nada. Não sei responder como isso é feito, mas acho que o que o pensamento pode contribuir é para redesenhar o mapa do que vemos, porque minha prescrição tem a ver com minha experiência e, portanto, seria uma negligência com o outro. O pensamento pode nos inspirar, mas cada um precisa encontrar uma maneira de ativar seu desejo. De qualquer forma, é interessante fazer a distinção entre desejo e capricho, consumo ou aquele desejo que o satisfaz momentaneamente. O desejo pode passar por momentos de baixa ou até mesmo fases de sofrimento, mas não devemos confundir desejo com facilidade.

– É esse desejo real que desperta, por exemplo, uma vocação?

– Sim, mas também o amor: a um parceiro, à família, a uma amizade... Ela também desperta um cuidado, uma elaboração de uma rede de relacionamentos... Além disso, pensando na pergunta anterior, o desejo não é transmitido, ele é contagioso, ou seja, não se deixa direcionar. E ele se espalha por meio do amor. Um professor que nos marcou na escola conseguiu porque de alguma forma conseguiu ativar nosso amor por um objeto de conhecimento e porque tivemos uma forte relação afetiva com essa pessoa.

– É verdade que a síndrome de TDAH em crianças aumentou?  

– Seria difícil responder a você em meu próprio nome, mas no livro, José Ramón Ubieto e Marino Pérez falam sobre a falta de atenção nesse diagnóstico. Eles dizem que cada criança deve ser analisada individualmente, levando em conta seu contexto familiar e social, seu relacionamento com a tecnologia e seu relacionamento com a escola... E a solução não seria um remédio, o mesmo para todos, mas um acompanhamento singular. Dizem que há uma facilidade nesse diagnóstico que tem a ver com os negócios, com nosso conforto em ter uma solução, que tem a ver com nossa preguiça de ouvir um caso específico.

– Você se define como um "filósofo pirata", o que é isso?

– É um jogo. Para mim, a filosofia é algo que é invadido, atacado, como os piratas que queriam saquear outros navios. A filosofia pirata é um lugar a partir do qual se aborda o conhecimento fora do próprio conhecimento e também uma relação com o conhecimento que não é de veneração ou contemplação, mas de profanação, de pegar o que for necessário para pensar sobre o que está acontecendo com você.

– Você conheceu bem o movimento 15M, o que acha que restou dele?

– O 15M foi um movimento de escuta. As pessoas se esforçavam para ouvir umas às outras e a opinião de cada um era muito importante. Havia um desejo de saber o que o outro queria dizer, mas também havia uma expectativa, porque não sabíamos o que o outro poderia dizer, pois nem mesmo sabíamos quem éramos. Então, eu perguntaria: onde podemos encontrar uma política de escuta hoje? Sob essa premissa, os herdeiros do 15M não estão na política institucional, eu gostaria que a política institucional registrasse algo sincero do 15M, mas acredito que os herdeiros mais autênticos são aqueles que constroem espaços horizontais de escuta e diálogo. Talvez o movimento feminista tenha levado adiante o que aconteceu no 15M, e agora o movimento ambientalista o ampliou novamente, um movimento de jovens que, de alguma forma, estão ouvindo algo do mundo. 

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