Como o neoliberalismo destrói a democracia

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 [artigo de Christian Laval publicado em Viento Sur , em 8/4/2024. Tradução: Haroldo Gomes] A observação é clara. As democracias liberais e parlamentares, ligadas aos chamados Estados de Direito, são confrontadas externamente por regimes que abominam essa forma política, enquanto internamente são sabotadas por uma grande fração de forças de direita ou de extrema direita. Os recentes sucessos eleitorais das formações mais nacionalistas e xenófobas na Itália, Holanda e Alemanha atestam isso. Não se trata aqui de aprovar o desempenho das democracias parlamentares que estão historicamente ligadas ao colonialismo e que deram uma roupagem liberal à exploração capitalista da força de trabalho. Em vez disso, trata-se de mostrar como o neoliberalismo, como um modo geral de organização econômica e social em todos os níveis da vida, funcionou e continua a funcionar como uma máquina formidável para a destruição da democracia liberal. Foi isso que levou alguns autores, como Wendy Brown, a falar de

A filosofia “sem pressa” se expande pelo mundo



[Reportagem de Periódico Diagonal, em 13/8/2015. Tradução: Haroldo Gomes]


O café, o cacau, as montanhas e essas pomposas vilas que aparecem nas telenovelas colombianas são os principais elementos que caracterizam a paisagem cafeeira de Pijao, primeiro povo slow ou povo sem pressa da América Latina, situado na Cordilheira Central da Colombia.
Este lugar, declarado pela UNESCO Patrimônio Cultural da Humanidade em 2011, destaca-se por sua arquitetura colonial e sua grande biodiversidade. Pijao é um povo típico que atrai cada vez mais turismo; porém, o que é um município slow ou sem pressa?
Nas primeiras páginas do imprescindível ensaio do jornalista Carl Honoré, Elogio de la Lentitud (RBA, 2005), o autor canadense pergunta o que é que se faz primeiro ao se levantar pela manhã.
Por acaso, corre as cortinas? Pergunta. De maneira nenhuma: a primeira coisa que uma pessoa faz antes de se levantar da cama é consultar a hora, porque “todo mundo sofre da doença do tempo”.
Segundo Honoré, entramos na era da velocidade há 150 anos, com a revolução industrial, em um viver depressa não como forma de viver mas de sobreviver. Por sorte, a sociedade se rebela e em muitos países se instauram organizações e movimentos cujos manifestos se concentram na desaceleração do tempo e das relações sossegadas com certas tintas hedonistas.
Lentidão para o “bem viver”
O movimento Cittaslow integra, nos dias atuais, 199 povos que têm em comum deslocar-se do frenetismo cotidiano e do hiperconsumo apresentando um estilo de vida sustentável e harmônico com o entorno.
Nutrindo-se do movimento Slow Food (comida sem pressa), um presságio que teve o cozinheiro italiano Carlo Petrini quando viu que o imperador da comida rápida McDonalds se instalava em Roma, Cittaslow se configurou desde 1999 da mão de Pablo de Saturn, o então prefeito de Greve in Chianti, na Toscana italiana, como uma proposta que partia da vontade política para o “bem viver”, filosofia já praticada pelos povos originários da América – Sumak Kausay – que hoje em dia, inclusive, se guarda como um direito na Constituição da República do Equador, de 2008, e do Estado Plurinacional da Bolívia, de 2009.
A Rede de Povos Sem Pressa é uma oportunidade que traz muitas possibilidades para apostar num plano de governo diferente do modelo de desenvolvimento neoliberal, tratando-o de um ponto de vista endógeno.
Monica Flores, propulsora da Fundação Pijao Cittaslow, afirma que o importante é “a atitude de vida do cidadão do comum frente a água, os resíduos, a alimentação, a semeadura e recuperação das sementes nativas ou a contaminação auditiva”.
Tal e como expõe a carta de apresentação do movimento, trata-se de buscar o melhor do conhecimento do passado para aproveitá-lo graças às melhores possibilidades que oferecem o presente e o futuro.
Para fazer parte da Rede, os povos aspirantes não podem superar os 50 mil habitantes e devem se comprometer em trabalhar as distintas áreas das quais é necessário certificar-se por um comitê coordenador.
As temáticas referidas são meio ambiente, saneamento básico, gastronomia local, energia renovável, arquitetura tradicional e educação pensada para cada um dos cidadãos.
Pijao, povo caracol
Nos anos 90, esse povo do Quindío se dedicava exclusivamente ao monocultivo do café apesar da vasta diversidade biológica do território. Depois do grande terremoto do ano de 1999, que devastou a região, a corrupção se aproveitou durante décadas dos recursos públicos que recebia e que nunca se investiram no progresso do município, deixando o campesinato absolutamente arruinado.
Monica Flores explica que desde a Fundação se “propuseram devolver a um povo que ninguém conhecia, uma imagem positiva nacional e internacional. Agora aparecemos nas principais páginas de alguns periódicos como The New York Times”.
Em 2006, o que tinha que ser um projeto de turismo rural evoluiu para o que é hoje Pijao, um lugar onde se fomenta o intercambio de produtos e serviços entre seus habitantes, uma relação que supera o estritamente econômica, ou seja, “tudo isso que se perdeu pelas sociedades aceleradas, industrializadas e de consumo”. Em 2014, Pijao passou a formar parte da Rede de Povos Slow como o primeiro município sem pressa da América Latina.
A primeira ação que realizou a Fundação Pijao Cittaslow foi um trabalho de educação com a cidadania sobre o valor do patrimônio arquitetônico, histórico, cultural e ambiental, e fortalecer alguns grupos da sociedade civil para impulsionar os princípios slow ao nível político. Atualmente, a dificuldade que o povo enfrenta é que cada legislatura deve ratificar o projeto Cittaslow, de maneira que é uma constante luta para comprometer os políticos.
Todavia, um município slow deve enfrentar-se com suas fortalezas mas também com as suas vulnerabilidades concretas para seguir progredindo. Pijao está altamente ameaçado pela mineração, com 23 títulos sobre o deserto do Chilí e 90% do território está concedido à empresas estrangeiras.
A fundadora de Cittaslow Pijao destaca que “o objetivo agora é voltar a fazer um processo de reeducação cidadã para que seja ela quem exija às autoridades locais que queremos seguir sendo um povo sem pressa. Este é um ano político e temos planejado realizar um fórum de debate com os candidatos onde eles expressem seu compromisso com Cittaslow”.
A Rede de Povos Para o Bem Viver está presente também num total de 30 países da Europa, Estados Unidos, China, Austrália e África do Sul, entre eles o Estado Espanhol, onde os municípios de Begur, Pals (Girona), Mungia, Lekeitio (Vizcaya), Rubielos de Mora (Teruel) e Bigastro (Alicante) conseguiram certificação. O movimento segue crescendo lentamente e se pressente, sem dúvida, um grande porvir, onde muitos lugares de todo o mundo esperam com paciência ser um povo sem pressa.

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