Como o neoliberalismo destrói a democracia

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 [artigo de Christian Laval publicado em Viento Sur , em 8/4/2024. Tradução: Haroldo Gomes] A observação é clara. As democracias liberais e parlamentares, ligadas aos chamados Estados de Direito, são confrontadas externamente por regimes que abominam essa forma política, enquanto internamente são sabotadas por uma grande fração de forças de direita ou de extrema direita. Os recentes sucessos eleitorais das formações mais nacionalistas e xenófobas na Itália, Holanda e Alemanha atestam isso. Não se trata aqui de aprovar o desempenho das democracias parlamentares que estão historicamente ligadas ao colonialismo e que deram uma roupagem liberal à exploração capitalista da força de trabalho. Em vez disso, trata-se de mostrar como o neoliberalismo, como um modo geral de organização econômica e social em todos os níveis da vida, funcionou e continua a funcionar como uma máquina formidável para a destruição da democracia liberal. Foi isso que levou alguns autores, como Wendy Brown, a falar de

O comum


Um conceito novo, que nos obriga a pensar as relações na sociedade é o de Comum. Talvez seja o caso de começarmos por ele. Segue texto de Judith Revel.

“O termo “comum” adquiriu depois de algum tempo uma grande importância, um pouco como, há alguns anos, o termo “biopolítica”. Contudo, acho que não é demais repetir que esta noção desmonta, desconstrói e torna impraticável todo o arcabouço conceitual que tem servido de sustentação ao pensamento político moderno desde o século XVII.

O pensamento do comum não pode mais funcionar a partir dos pares dialéticos público/privado ou individual/coletivo. No primeiro caso, o comum denuncia o fato de que se o “privado” é uma apropriação individual, o “público” historicamente representa a apropriação pelo Estado, ou seja, a usurpação que consiste em fazer acreditar que aquilo que não pertence a ninguém (e de fato pertence ao Estado), na realidade pertence a todo mundo. No segundo caso, desafia a oposição entre diferença vista como particularidade, e coletividade – ou generalidade – como universalidade. A teoria política que inscreve a diferença singular no marco do subjetivo, e assim a rejeita e a confina à esfera do “privado” e do “não-partilhável” não funciona porque propõe o outro pólo do político para o lugar do reverso desta esfera: o que é geral (uma vontade geral completamente destituída da carga de subjetividades singulares); o que é universal (que com muita frequência opera a partir a eliminação pura e simples das diferenças ou do reducionismo mais raso de procurar um “mínimo denominador comum” aceitável para todos, ou melhor, que sirva para todas as pessoas); e o que é coletivo (que procede através da despossessão de cada um sem a reapropriação de todos).

O “comum” exige ao contrário ser pensado como persistência das diferenças singulares enquanto diferenças, num agenciamento diferencial destas diferenças. Ele precisa ser experimentado como partilha das diferenças, ou seja, como construção de um espaço – político, subjetivo e de vida – onde cada um reforça por sua própria diferença a potência desta comunalidade com o outro. O comum é uma construção radicalmente democrática das singularidades – onde a radicalidade desta democracia desde baixo seria uma garantia absoluta de universalidade, e onde colocar em comum as singularidades em seu devir-diferencial constitui a própria construção de uma vida compartilhada, ou seja, de uma comunidade, de uma polis, de uma política ainda inédita.”

(Judith Revel, filósofa italiana)

Comentários

  1. Reflexões sobre o texto acima:
    1) O conceito de Comum se diferencia do de Público (Estatal).
    2) O Comum faz repensar a política.

    Aprofundar isso é muito importante.

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