"O CAPITALISMO NÃO PARA DE REVOLUCIONAR CONSTANTEMENTE SUAS PRÓPRIAS BASES SOCIAIS."

[Entrevista com a filósofa Clara Ramas San Miguel por Hugo de Camps Mora e publicada em CTXT , em 20/072024. Tradução: Haroldo Gomes] Sem sombra de dúvida, a nostalgia e a melancolia se tornaram duas das emoções mais características do momento em que vivemos. Há saudosistas de praticamente todos os matizes ideológicos e, como se a possibilidade de vislumbrar um futuro fosse necessariamente cancelada, parece que a necessidade de “voltar para casa” tornou-se hoje mais intensa do que em outros períodos históricos. Nesse contexto, a questão que inevitavelmente surge é o que fazer com esses sentimentos.  Deveríamos permitir que eles formassem a base de um programa político ou deveríamos desconfiar de nós mesmos quando nos deparamos com a "saudade" de uma era perdida? Lendo a obra de Proust de uma perspectiva marxista e psicanalítica, a filósofa Clara Ramas San Miguel (Madri, 1986) tentou responder a essas perguntas em seu último livro, El tiempo perdido. Contra la Edad Dorada: u

O DECLÍNIO DE UM IMPÉRIO CAÓTICO

 

[artigo de Raúl Zibechi, publicado Comune Info, em 17/07/2024. Tradução: Vapor ao Vento]

A discussão sobre quem se beneficiará com o ataque a Trump esconde as mentiras vulgares daqueles que afirmam que não há lugar para a violência nos Estados Unidos, quando todos os dias há um ou dois tiroteios com pelo menos quatro mortos ou feridos e o país vem apostando na violência de guerras e genocídios há anos. Mas, acima de tudo, ele esconde o fato de que os EUA são uma nação em ruínas e, por essa razão, muito perigosa. Os Estados Unidos são os únicos entre os países ricos em que a expectativa de vida vem diminuindo nos últimos anos: o declínio, lembra Raúl Zibechi, afeta principalmente a população entre 45 e 54 anos de idade, ex-trabalhadores industriais, que sofrem de alcoolismo, suicídio e dependência de opiáceos - e a produção industrial está diminuindo constantemente. Nesse cenário, a mistura de violência, individualismo e armas não é um bom presságio para os mais pobres nos EUA e no mundo.

A bala passou a apenas um centímetro do alvo, portanto, como foi um tiro de longa distância, devemos descartar qualquer possibilidade de que tenha sido um auto-ataque. Também é preciso considerar a possibilidade de ser “cético”, como aponta o Asia Times, já que o FBI foi encarregado de eliminar o atirador de 20 anos e será responsável pela investigação. Tudo nas mãos do Deep State, o Estado Profundo que governa os Estados Unidos nas sombras.

O tempo dirá se o ataque a Donald Trump é um salto no declínio imperial ou apenas uma anedota trágica.  “Não há lugar para esse tipo de violência nos Estados Unidos”, disse Joe Biden, enquanto o New York Times se aventurou a comentar em um editorial: ”O ataque a Donald Trump é antitético aos Estados Unidos". Mentiras vulgares: todo ano há mais de 500 tiroteios com pelo menos quatro mortos ou feridos, sem contar os atiradores. Em 2 de julho deste ano, já são 261 (Axios, 02/07/2024). Em 2014, houve 272 e, em 2021, 689 tiroteios em massa. O número de mortes causadas por violência apresentou um aumento semelhante.

Não é interessante especular sobre quem se beneficiará com o ataque, o que é quase impossível com as informações disponíveis, mas sim vê-lo como o surgimento de uma nação em ruínas, caótica e, por esse motivo, muito mais perigosa. O principal fato é a decomposição da sociedade. Em maio, durante uma visita de quatro semanas aos Estados Unidos, testemunhei essa crise nas ruas de Nova York e Los Angeles, onde centenas de milhares de pessoas vivem nas ruas e os serviços públicos, como o metrô, mostram sinais inegáveis de deterioração da infraestrutura. Sem mencionar o número de pessoas, em sua maioria negras, com transtornos mentais, vagando sem rumo ou gritando no vazio.

Os dados não mentem. Os Estados Unidos são o único “país desenvolvido” em que a expectativa de vida vem diminuindo nos últimos anos. Em 2014, era de 78,8 anos. Em 2020, caiu para 77,3 e, em 2021, para 76,3. Em contraste, na Alemanha, 80,9, no Reino Unido, 80,7, na França, 82,3 e no Japão, 84,5. O declínio afeta principalmente a população entre 45 e 54 anos, ex-trabalhadores industriais, afetados pelo alcoolismo, suicídio e dependência de opiáceos.

De acordo com Emmanuel Todd, a mortalidade infantil é crucial porque pressagia o futuro imediato. Em 2020, nos EUA, foi de 5,4 por mil nascidos vivos, na Rússia, 4,4, no Reino Unido, 3,6, na França, 3,5, na Alemanha, 3,1 e no Japão, 1,8. O mais curioso é que o aumento da mortalidade é acompanhado por enormes gastos com saúde: 18,8% do PIB nos EUA contra 12% na França e números semelhantes na Alemanha e na França. A conclusão é que há “atos de alguns grupos superiores que estão devastando uma parte da população”, como mostra o escândalo dos opioides. Nos Estados Unidos, as grandes empresas farmacêuticas, apoiadas por médicos inescrupulosos, “disponibilizaram analgésicos perigosos e viciantes para pacientes com distúrbios emocionais, por razões econômicas e sociais, que muitas vezes levam diretamente à morte, ao alcoolismo ou ao suicídio” (The Defeat of the West, p. 195).

Os dados acima destacam a decomposição da sociedade norte-americana, pois “para entender a política externa de um país, é necessário analisar profundamente sua evolução interna” (p. 189).

Há muito mais. O crescimento da obesidade é alarmante. Na década de 1990-2000, 30% da população sofria de obesidade. Em 2020, chegou a 42%.

Os dados econômicos são igualmente devastadores. Em 1928, a produção industrial dos EUA representava 45% da produção mundial e, em 2019, apenas 17%. Em 2018, a China produziu 25% das máquinas do mundo, em comparação com apenas 6,6% dos EUA, superada pela Itália, Alemanha e Japão.

Poderíamos acrescentar uma quantidade infinita de dados sobre educação, sobre o treinamento de engenheiros e também sobre o setor militar, que passou de 3 milhões de trabalhadores para apenas 1 milhão, produzindo aeronaves defeituosas e superfaturadas. Um F22 Raptor construído pela Lockheed Martin com um preço de mais de US$ 300 milhões tem um custo de tempo de voo de quase US$ 90.000 por hora. E esse é apenas um pequeno exemplo do desastre industrial, talvez causado pelos escândalos e acidentes repetidos da Boeing.

Tudo aponta para um império que está se desintegrando como consequência de uma sociedade em decadência, que não tem mais valores além do individualismo e que, segundo Todd, está apostando na violência, como testemunhado pelo genocídio em Gaza. Um país que, devido a seu desastre interno, sofre de “desequilíbrios de tal magnitude que se tornam uma ameaça à estabilidade do mundo” (p. 27).

Dessa decomposição surgem pessoas como Trump, assim como a decomposição da sociedade argentina gera presidentes como Milei. A impotência de Washington e do Pentágono é extremamente perigosa (até mesmo para nós, latino-americanos). Em frente a Trump está Biden, o octogenário com deficiência cognitiva que acredita que governa o mundo, como ele disse dias atrás.

O editor do Asia Times, David Goldman, americano e banqueiro de investimentos (nada suspeito de anticapitalismo), argumenta que a senilidade de Biden é um espelho no qual as sociedades ricas e ocidentais devem olhar para si mesmas. “Dante não poderia ter inventado um habitante do inferno que melhor representasse a senescência do Ocidente” (Asia Times, 13/07/2024).

O ataque a Trump não é nada surpreendente, é o resultado de uma sociedade que, em sua violenta autodestruição, corre o risco de arrastar a humanidade para o chão.

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