CARTA DE JULIAN ASSANGE AO REI CHARLES III

O fundador de WikiLeaks, Julian Assange, escreveu uma carta aberta ao Rei Charles III no dia de sua coroação, onde chama a atenção para as terríveis condições nas quais se encontra recluso na prisão Belmarsh de Sua Majestade.
Assange está preso na prisão de segurança máxima há mais de quatro anos, a grande maioria deles sem acusações, enquanto os tribunais britânicos decidiam sua extradição para os Estados Unidos. Lá, ele enfrenta acusações sob a Lei de Espionagem por publicar material vazado expondo crimes de guerra, abusos dos direitos humanos, conspirações antidemocráticas e intrigas diplomáticas dos EUA. Ele enfrenta 175 anos de prisão.
Em 17 de junho de 2022, o então ministro do Interior, Priti Patel, deu o sinal verde final para sua transferência para os Estados Unidos, mas nada se ouviu desde então.
Antes de sua prisão em Belmarsh, ele passou sete anos detido na Embaixada do Equador em Londres, de onde pediu asilo político.
 [A carta de Assange foi originalmente publicada pela Declassified UK, em 5/5/2023. Tradução: Vapor ao Vento.]

CARTA DE JULIAN ASSANGE AO REI CHARLES III

A Sua Majestade o Rei Charles III,

Na coroação do meu soberano, achei apropriado estender-lhe um convite sincero para comemorar esta ocasião importante visitando seu próprio reino dentro de um reino: a Prisão Belmarsh de Sua Majestade.

Sem dúvida, lembrar-se-á das sábias palavras de um renomado dramaturgo: "A clemência não é uma qualidade forçada.Ela é como a chuva suave que cai do céu sobre o chão". 

Ah, mas o que esse bardo saberia da clemência diante do acerto de contas no alvorecer de seu reinado histórico? Afinal, pode-se realmente conhecer a medida de uma sociedade pela forma como ela trata seus prisioneiros e seu reino certamente se destacou nesse aspecto. 

A Prisão Belmarsh de Sua Majestade está localizada no prestigiado endereço de One Western Way, Londres, próxima do Old Royal Naval College de Greenwich. Que delícia deve ser ter um estabelecimento tão estimado com o seu nome.

É aqui que 687 de seus súditos leais são mantidos, sustentando o Reino Unido como a nação com a maior população carcerária da Europa Ocidental. Como seu nobre governo declarou recentemente, seu reino está passando atualmente pela “maior expansão de prisões em mais de um século”, com suas ambiciosas projeções que prognosticam um aumento da população carcerária de 82.000 para 106.000 nos próximos quatro anos. Um grande legado, de fato.

Como preso político, retido por vontade de Sua Majestade em nome de um soberano estrangeiro envergonhado, tenho a honra de residir entre os muros dessa instituição de referência mundial. Verdadeiramente, seu reino não conhece limites.

Durante a sua visita, terá a oportunidade de se deliciar com as delíciosas culinárias preparadas para seus leais súditos com um generoso orçamento de duas libras por dia. Saboreie as cabeças de atum trituradas e as onipresentes formas reconstituídas supostamente feitas de frango. E não se preocupe, porque diferentemente de instituições menores, como Alcatraz ou San Quentin, não há jantar comunitário no refeitório. Em Belmarsh, prisioneiros jantam sozinhos em suas celas, garantindo a máxima intimidade com a sua refeição. 

Além dos prazeres gustativos, posso garantir que Belmarsh oferece amplas oportunidades educacionais para seus súditos. Como diz Provérbios 22:6: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele". Observe a confusão nas filas que se formam na enfermaria onde os presos recolhem seus medicamentos, não para uso diário, mas para a experiência de expansão do horizonte de um “grande dia fora” - todos de uma vez.

Também terá a oportunidade de prestar homenagem ao meu saudoso amigo Manoel Santos, um homem gay que enfrentava a deportação para o Brasil de Bolsonaro, que tirou a própria vida a apenas oito metros da minha cela usando uma corda grosseira feita de seus lençóis. Sua requintada voz de tenor agora silenciada para sempre.

Aventure-se nas profundezas de Belmarsh e você encontrará o lugar mais isolado entre seus muros: o centro de saúde (Healthcare), ou “Hellcare” como seus habitantes o chamam carinhosamente. Aqui, você ficará maravilhado com as regras sensatas projetadas para a segurança de todos, como a proibição do xadrez, enquanto permite o jogo de damas muito menos perigoso.

Nas profundezas de Hellcare, encontra-se o lugar mais gloriosamente edificante de toda Belmarsh, não, de todo o Reino Unido: a sublime suíte Belmarsh End of Life. Ouça atentamente e poderá ouvir os gritos dos prisioneiros: “Irmão, eu vou morrer aqui”, um testemunho da qualidade da vida e da morte dentro de sua prisão.

Mas não tema, pois há beleza a ser encontrada entre esses muros. Deleite-se com os pitorescos corvos aninhados no arame farpado e as centenas de ratos famintos que vivem em Belmarsh, pode até ter um vislumbre dos patinhos colocados por patos-reais rebeldes dentro do terreno da prisão. Mas não demore, pois os ratos vorazes garantem que suas vidas sejam passageiras.

Eu lhe imploro, Rei Charles, que visite a prisão de Sua Majestade, Belmarsh, pois é uma honra digna de um rei. Enquanto embarca em seu reinado, espero que lembre sempre das palavras da Biblia do Rei James: "Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia". E que a misericórdia seja a luz guia do seu reino, dentro e fora dos muros de Belmarsh.

Seu mais devoto súdito,

Julian Assange

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