Como o neoliberalismo destrói a democracia

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 [artigo de Christian Laval publicado em Viento Sur , em 8/4/2024. Tradução: Haroldo Gomes] A observação é clara. As democracias liberais e parlamentares, ligadas aos chamados Estados de Direito, são confrontadas externamente por regimes que abominam essa forma política, enquanto internamente são sabotadas por uma grande fração de forças de direita ou de extrema direita. Os recentes sucessos eleitorais das formações mais nacionalistas e xenófobas na Itália, Holanda e Alemanha atestam isso. Não se trata aqui de aprovar o desempenho das democracias parlamentares que estão historicamente ligadas ao colonialismo e que deram uma roupagem liberal à exploração capitalista da força de trabalho. Em vez disso, trata-se de mostrar como o neoliberalismo, como um modo geral de organização econômica e social em todos os níveis da vida, funcionou e continua a funcionar como uma máquina formidável para a destruição da democracia liberal. Foi isso que levou alguns autores, como Wendy Brown, a falar de

A Sociedade contra o Estado



O poder nem sempre é exercido numa relação hierárquica de dominação e submissão – esta é a tese desenvolvida por Pierre Clastres em A sociedade contra o Estado – um dos mais importantes trabalhos de antropologia política do século XX. Os onze artigos, publicados entre 1962 e 1974, fazem uso do arcabouço teórico desenvolvido por autores franceses como Claude Lévi-Strauss, Michel Foucault. O autor se baseia em estudos etnológicos e em sua vivência com populações indígenas da América do Sul para formular um novo conceito de política. O livro foi uma referência importante no argumento de Mil platôs, de Gilles Deleuze e Félix Guattari.


TRECHO DE ENTREVISTA DE PIERRE CLASTRES

Não é somente à sociedade primitiva que você se refere. Quando se interroga sobre o poder, é uma interrogação sobre nossa sociedade. O que fundamenta essa atitude? O que justifica a passagem?

A passagem está implicada por definição. Sou etnólogo, isto é, me dedico às sociedades primitivas, mais especialmente àquelas da América do Sul onde fiz todos os meus trabalhos de campo. Então, parte-se de uma distinção que é interna à etnologia, à antropologia: o que são as sociedades primitivas? São sociedades sem Estado. Falar de sociedades sem Estado é necessariamente nomear ao mesmo tempo as outras, isto é, as sociedades com Estado. Onde está o problema? De que maneira ele me interessa e por que busco refletir sobre isso? É que me pergunto por que as sociedades sem Estado são sociedades sem Estado, e então julgo perceber que, se as sociedades primitivas são sociedades sem Estado, é por serem sociedades de recusa do Estado, sociedades contra o Estado. A ausência do Estado nas sociedades primitivas não é uma falta, não é porque elas estão na infância da humanidade e porque são incompletas, ou porque não são suficientemente grandes, ou porque não são adultas, maiores, é simplesmente porque elas recusam o Estado em sentido amplo, o Estado definido em sua figura mínima, que é a relação de poder. Por isso mesmo, falar das sociedades sem Estado ou das sociedades contra o Estado é falar necessariamente das sociedades com Estado, a passagem, ou ela sequer existe ou é possível de antemão; e a questão que se fixa na passagem é: de onde provém o Estado, qual a origem do Estado? Mas trata-se, ainda assim, de duas questões separadas: Como fazem as sociedades primitivas para não ter Estado? De onde provém o Estado? Então, voltando à “etnologia política”: se perguntarem “será que a análise da questão do poder nas sociedades primitivas, nas sociedades sem Estado, pode alimentar uma reflexão política sobre nossas próprias sociedades?”, certamente sim, mas não é necessário. Posso perfeitamente deter-me em questões, se não acadêmicas, ao menos de pura antropologia social: Como funciona a sociedade primitiva para impedir o Estado? De onde provém o Estado? Posso deter-me nisso e permanecer pura e simplesmente etnólogo. Aliás, de um modo geral, é o que faço. Mas não há dúvida de que uma reflexão ou uma pesquisa sobre, enfim, a origem da divisão da sociedade, ou sobre a origem da desigualdade, no sentido de que as sociedades primitivas são precisamente sociedades que impedem a diferença hierárquica, uma tal reflexão ou pesquisa pode alimentar uma reflexão sobre o que se passa em nossas sociedades. E aí nos deparamos muito depressa com a questão do marxismo.

LIVRO: A Sociedade contra o Estado
AUTOR: Pierre Clastres
EDITORA: Ubu
CONDIÇÃO: Livro Novo
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