Quem venceu a guerra
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Este artigo foi publicado em Erbacce – forme di vita resistenti ai diserbanti, em 24/05/2022. Tradução: Haroldo Gomes.
Ainda haverá historiadores em 2122? Em caso positivo, é assim como eles vão lembrar de nós
Franco “Bifo” Berardi
Um historiador de 2122 (ainda haverá historiadores em 2122?) contará os eventos de cem anos atrás. Talvez assim:
Os Estados Unidos da América, em meio a uma crise psicótica incurável, a uma guerra civil entre indivíduos super armados e bandos a mercê do pânico milenar, liderados por um Presidente que após a derrota afegã mergulhou definitivamente num estado de demência senil, provocando a terceira guerra mundial, explorando uma antiga disputa territorial entre russos e ucranianos, dois povos arrastados para a guerra por grupos político-militares ultranacionalistas.
A guerra foi um grande sucesso para o presidente Biden porque com essa guerra os americanos conseguiram três resultados importantes.
Destruíram a União Européia tanto política quanto econômica e socialmente, provocando o colapso de cadeias produtivas inteiras e a desintegração da civilização social européia.
Em segundo lugar, destruíram fisicamente (graças a ajuda das forças armadas russas) a Ucrânia, reduzindo-a a um estado de miséria e de total submissão ao domínio anglo-americano.
Em terceiro lugar, destruíram economicamente a Rússia que, por alguns anos, foi devastada socialmente e só sobreviveu graças à reconversão oriental de sua economia que logo a transformou em uma imensa colônia desolada do Império Chinês.
A tripla vitória externa do presidente Biden não impediu a queda eleitoral dos democratas, e sobretudo não deteve a guerra civil psicótica interna dos EUA, aliás, favoreceu a vitória de um jovem candidato trumpista em 2024, seguida pela sangrenta desintegração final da entidade abusivamente denominada “América”.
Uma população de trezentos milhões de pessoas, acostumados a consumir os recursos do planeta em medida quatro vezes superior a média mundial, entre outras coisas possuíam quatrocentos milhões de armas de fogo.
Quando um número crescente de fanáticos começou a atirar em supermercados e postos de gasolina, todos foram obrigados a usar as armas guardadas no porão: as consequências foram tais que o número exato de vitimas não pôde ser estabelecido. Em 2038, depois de quatorze anos da guerra civil psicótica (GCP), mais de cem milhões de indivíduos tinham se massacrado sem saber porque.
Na África, a fome se espalhou por toda a década de 22-32, provocando revoltas, repressão e terrorismo, e matando metade da população. Mas tudo isso era esperado no mesmo dia em que a guerra foi desencadeada. Ninguém pensou, de um lado ou do outro, que Russia e Ucrania produzem e exportam um quarto dos recursos alimentares do planeta. Os heróis da liberdade e da soberania tinham coisas mais urgentes para pensar: a democracia, o mercado livre e agora não lembro bem o que mais.
Quanto às terras conturbadas do Oriente Médio e às populações indiana e paquistanesa, o destino foi decidido pela natureza furiosa: ondas de calor prolongadas aos cinquenta graus ao longo de duas décadas exterminaram todas as formas de vida em toda a área dos Balcãs ao Rajastão.
Mas, o pior destino tocou para a Europa, cuja população, já frágil devido à média de idade avançada e incapaz de suportar a privação que se seguiu ao colapso do sistema de energia, foi atingida por uma onda de depressão psíquica aguda que tornou o suicídio algo bastante comum, em algumas regiões majoritário. Europeus cometeram suicídio de todas as formas: primeiro, apoiando a guerra decidida pela OTAN; depois, pulando do décimo andar, ingerindo comprimidos de Fentanil em grandes quantidades, ou enforcando-se com a mangueira de gás que já não servia mais para acender o fogão por razões bem conhecidas.
Em 2046, poderia se considerar extinta a população branca européia e no continente floresceram comunidades provenientes de toda a bacia mediterrânea, que estabeleceu sua capital em Palermo, governada pelo líder enigmático de origem desconhecida, o Poliglota Absoluto que se autonomeou Frederico, o Ressuscitado, subiu ao trono graças às suas habilidades de Grande Tradutor.
Quem ganhou a guerra ucraniana que começou em 24 de fevereiro de 2022, por iniciativa de Vladimir Putin (enforcado em janeiro de 2025 pelos militares ultranacionalistas, que então lançaram os dispositivos nucleares que incineraram Londres, Estocolmo e Helsinque) as crônicas não dão conta de transmitir. Não sabemos se os anglo-americanos-ucranianos ou os russos venceram. A certa altura, a questão pareceu irrelevante para todos e a guerra foi esquecida porque os efeitos dela se transformaram em catástrofes muito mais devastadoras do que a própria guerra.
A excitação patriótica dos partidários do mundo livre e da soberania nacional se dissipou subitamente quando apareceram no horizonte, como gigantes de fogo, as consequências de sua guerra.
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