[Entrevista
de Michel Onfray ao jornal italiano La Stampa,
publicada em 14/4/2020. Tradução: Vapor ao Vento]
No
início, diagnosticaram o coronavírus sem efetuar os testes. Mas
quando, alguns dias depois, eles fizeram os testes na esposa, descobriram que
na realidade não tinham o Covid-19 mas a dengue, uma doença
tropical. “Eles detiveram Dorothée no hospital. Eu fiquei em casa,
na cama, com a febre que oscilava entre 38 e 40 graus”.
Não
é a primeira vez que Onfray, 61 anos, luta com a dor física. E nem
com uma vida difícil: filho de um lavrador, com a mãe que fazia
limpeza a domicilio, dos 10 aos 14 anos foi colocado em uma
espécie de orfanato. Iconoclasta (muito à esquerda para os de
direita e muito à direita para os que são de esquerda), a
filosofia, muitas vezes, o salvou.
O
que você recomenda aos italianos, que estão confinados há mais
tempo do que os franceses, para manter-se firme?
O
confinamento não pode ser pensado como uma idéia platônica, do
tipo “confinamento objetivo”, mas apenas como um confinamento
subjetivo. Tudo depende do lugar onde ocorre: amplo ou pequeno,
agradável ou austero, em boa ou má companhia, só ou rodeado de
amigos verdadeiros, em meio à natureza ou em um edificio de
habitação social. É preciso ser empírico e pragmático: cabe a
cada um inventar a melhor condição possível do próprio
confinamento. Não se pode filosofar, viver, comer, amar uma outra
pessoa.
Que
textos filosóficos você recomenda ler neste período?
Neste
Saggezza: saper vivere ai piedi di un vulcano (lançado por
Ponte Alle Grazie no outono de 2019) escrevi um elogio da filosofia
romana em contraposição à grega. Os gregos adoravam os conceitos e
a Idéia com I maiúsculo, a pureza ideal e os vôos metafísicos.
Costumavam fazer filosofia por filosofia. Os romanos zombavam da
metafisica ou da ontologia, detestavam a sofística e a retórica,
oportunidades de espalhar a própria ciência e seduzir os
interlocutores. Eles ensinaram não através de tratados
incompreensíveis mas com exemplos concretos encontrados nos
historiadores ou analistas: Aulo Gelio, Valerio Massimo, Tácito,
Tito Livio, Suetônio fala sobre o amor, a amizade, o senso de
honra, descrevendo casos de pessoas que se amaram de um amor profundo
ou amizade, que encarnaram o sentido de honra, a lealdade, o
comportamento a ter perante a doença, o sofrimento, a velhice, a
morte.
Pois
bem, entre os filósofos romanos, na sua opinião, quais devem ser
redescobertos?
Plutarco, Caio Musônio Rufo, Sêneca,
Lucrécio, Epiteto, Marco Aurélio, Cícero. Que são todos útéis
em qualquer tempo, de coronavírus ou não.
Você
teve um ataque cardíaco aos 28 anos, testemunhou há muito tempo sua
companheira da época, morrer depois de câncer. E há dois anos
sofreu um derrame. Tem algum texto filosófico que lhe acompanhou
nesses momentos dramáticos?
Sim, os Pensieri (Pensamentos) de
Marco Aurélio. Mas quando sofri o último infarto estava muito ruim
para ler na versão impressa. Então, colocava o i-Phone no peito e
ouvia a leitura feita por um ator. Uma vez apagadas as luzes no
hospital, o filósofo falava apenas comigo.
Esse
confinamento pode dar um novo sentido à vida?
A natureza humana é o que é. Os homens
não viverão amanhã de amor e de água fresca: nem mais, nem menos
do que antes. Por favor, leiam ou releiam La Fontaine para ver
quais são as características invariáveis da natureza humana.
Quando o retorno à vida normal se materializar não será para
realizar a felicidade sobre a Terra! Não se confina das pessoas em
gaiola como animais durante semanas sem que, no dia em que elas
saiam, libertem, juntamente com o amor, paixão triste e
ressentimento.
Alguns
esperam que esta experiência leve a uma redescoberta do otium
(ócio) dos antigos romanos. O que você acha?
Acho
que não. O otium (ócio) era privilégio de pessoas ricas,
que não trabalhavam e tinham à disposição escravos e servos. No
final, serão as pessoas mais simples que pagarão a fatura desse
confinamento e as pessoas que já se regozijam do próprio ócio
contemporâneo continuarão a fazê-lo. Não haverá uma
democratização do ócio mas uma radicalização da luta de classes.
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