Como o neoliberalismo destrói a democracia

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 [artigo de Christian Laval publicado em Viento Sur , em 8/4/2024. Tradução: Haroldo Gomes] A observação é clara. As democracias liberais e parlamentares, ligadas aos chamados Estados de Direito, são confrontadas externamente por regimes que abominam essa forma política, enquanto internamente são sabotadas por uma grande fração de forças de direita ou de extrema direita. Os recentes sucessos eleitorais das formações mais nacionalistas e xenófobas na Itália, Holanda e Alemanha atestam isso. Não se trata aqui de aprovar o desempenho das democracias parlamentares que estão historicamente ligadas ao colonialismo e que deram uma roupagem liberal à exploração capitalista da força de trabalho. Em vez disso, trata-se de mostrar como o neoliberalismo, como um modo geral de organização econômica e social em todos os níveis da vida, funcionou e continua a funcionar como uma máquina formidável para a destruição da democracia liberal. Foi isso que levou alguns autores, como Wendy Brown, a falar de

Michel Onfray: o isolamento vai aguçar a luta de classes



[Entrevista de Michel Onfray ao jornal italiano La Stampa, publicada em 14/4/2020. Tradução: Vapor ao Vento]
No início, diagnosticaram o coronavírus sem efetuar os testes. Mas quando, alguns dias depois, eles fizeram os testes na esposa, descobriram que na realidade não tinham o Covid-19 mas a dengue, uma doença tropical. “Eles detiveram Dorothée no hospital. Eu fiquei em casa, na cama, com a febre que oscilava entre 38 e 40 graus”.
Não é a primeira vez que Onfray, 61 anos, luta com a dor física. E nem com uma vida difícil: filho de um lavrador, com a mãe que fazia limpeza a domicilio, dos 10 aos 14 anos foi colocado em uma espécie de orfanato. Iconoclasta (muito à esquerda para os de direita e muito à direita para os que são de esquerda), a filosofia, muitas vezes, o salvou.
O que você recomenda aos italianos, que estão confinados há mais tempo do que os franceses, para manter-se firme?
O confinamento não pode ser pensado como uma idéia platônica, do tipo “confinamento objetivo”, mas apenas como um confinamento subjetivo. Tudo depende do lugar onde ocorre: amplo ou pequeno, agradável ou austero, em boa ou má companhia, só ou rodeado de amigos verdadeiros, em meio à natureza ou em um edificio de habitação social. É preciso ser empírico e pragmático: cabe a cada um inventar a melhor condição possível do próprio confinamento. Não se pode filosofar, viver, comer, amar uma outra pessoa.
Que textos filosóficos você recomenda ler neste período?
Neste Saggezza: saper vivere ai piedi di un vulcano (lançado por Ponte Alle Grazie no outono de 2019) escrevi um elogio da filosofia romana em contraposição à grega. Os gregos adoravam os conceitos e a Idéia com I maiúsculo, a pureza ideal e os vôos metafísicos. Costumavam fazer filosofia por filosofia. Os romanos zombavam da metafisica ou da ontologia, detestavam a sofística e a retórica, oportunidades de espalhar a própria ciência e seduzir os interlocutores. Eles ensinaram não através de tratados incompreensíveis mas com exemplos concretos encontrados nos historiadores ou analistas: Aulo Gelio, Valerio Massimo, Tácito, Tito Livio, Suetônio fala sobre o amor, a amizade, o senso de honra, descrevendo casos de pessoas que se amaram de um amor profundo ou amizade, que encarnaram o sentido de honra, a lealdade, o comportamento a ter perante a doença, o sofrimento, a velhice, a morte.
Pois bem, entre os filósofos romanos, na sua opinião, quais devem ser redescobertos?
Plutarco, Caio Musônio Rufo, Sêneca, Lucrécio, Epiteto, Marco Aurélio, Cícero. Que são todos útéis em qualquer tempo, de coronavírus ou não.
Você teve um ataque cardíaco aos 28 anos, testemunhou há muito tempo sua companheira da época, morrer depois de câncer. E há dois anos sofreu um derrame. Tem algum texto filosófico que lhe acompanhou nesses momentos dramáticos?
Sim, os Pensieri (Pensamentos) de Marco Aurélio. Mas quando sofri o último infarto estava muito ruim para ler na versão impressa. Então, colocava o i-Phone no peito e ouvia a leitura feita por um ator. Uma vez apagadas as luzes no hospital, o filósofo falava apenas comigo.
Esse confinamento pode dar um novo sentido à vida?
A natureza humana é o que é. Os homens não viverão amanhã de amor e de água fresca: nem mais, nem menos do que antes. Por favor, leiam ou releiam La Fontaine para ver quais são as características invariáveis da natureza humana. Quando o retorno à vida normal se materializar não será para realizar a felicidade sobre a Terra! Não se confina das pessoas em gaiola como animais durante semanas sem que, no dia em que elas saiam, libertem, juntamente com o amor, paixão triste e ressentimento.
Alguns esperam que esta experiência leve a uma redescoberta do otium (ócio) dos antigos romanos. O que você acha?
Acho que não. O otium (ócio) era privilégio de pessoas ricas, que não trabalhavam e tinham à disposição escravos e servos. No final, serão as pessoas mais simples que pagarão a fatura desse confinamento e as pessoas que já se regozijam do próprio ócio contemporâneo continuarão a fazê-lo. Não haverá uma democratização do ócio mas uma radicalização da luta de classes.

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