Como o neoliberalismo destrói a democracia

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 [artigo de Christian Laval publicado em Viento Sur , em 8/4/2024. Tradução: Haroldo Gomes] A observação é clara. As democracias liberais e parlamentares, ligadas aos chamados Estados de Direito, são confrontadas externamente por regimes que abominam essa forma política, enquanto internamente são sabotadas por uma grande fração de forças de direita ou de extrema direita. Os recentes sucessos eleitorais das formações mais nacionalistas e xenófobas na Itália, Holanda e Alemanha atestam isso. Não se trata aqui de aprovar o desempenho das democracias parlamentares que estão historicamente ligadas ao colonialismo e que deram uma roupagem liberal à exploração capitalista da força de trabalho. Em vez disso, trata-se de mostrar como o neoliberalismo, como um modo geral de organização econômica e social em todos os níveis da vida, funcionou e continua a funcionar como uma máquina formidável para a destruição da democracia liberal. Foi isso que levou alguns autores, como Wendy Brown, a falar de

França ferida no coração de seu laicismo e de sua liberdade


[Texto de Edgar Morin, sociólogo e filósofo francês, publicado no portal Rebelión, em 13.1.2015. Tradução: Vapor ao Vento]
A expressão de François Hollande é justa: “França ferida no coração”. Feriram-na no coração de sua natureza laica e de sua ideia de liberdade, justamente contra um semanário tipicamente desrespeitoso, do burlesco até toda forma sagrada, especialmente religiosa. Pois bem, a falta de respeito de Charlie Hebdo se situa no riso e no humor, o que outorga ao atentado um caráter monstruosamente imbecil.
Nossa emoção não deve paralisar nossa razão, como tampouco a razão deve atenuar nossa emoção.

Uma contradição insuperável
Houve problemas no momento de publicar as caricaturas. É necessário deixar que a liberdade ofenda a fé dos crentes do islão degradando a imagem de seu Profeta ou é que a liberdade de expressão prima sobre toda outra consideração? Meu sentimento é que existe uma contradição insuperável, tanto mais que eu sou dos que se opõem à profanação dos lugares e dos objetos sagrados.
Porém que se entenda bem, isso não diminui meu horror e meu asco pelo atentado a Charlie Hebdo. Dito isso, meu horror e meu asco não podem me impedir de contextualizar esse imundo atentado. Tem significado a irrupção no coração da França da guerra do Oriente Médio, guerra civil e internacional na qual a França interviu seguindo os Estados Unidos.
O ascenso do Estado Islâmico é certamente uma consequência das radicalizações e da putrefação da guerra no Iraque e na Síria, porém as intervenções estado-unidenses no Iraque e no Afeganistão contribuíram para a decomposição de nações compostas étnica e religiosamente, como Síria e Iraque.
Os Estados Unidos têm sido aprendizes de bruxos e a heterogênea e sem força real coalizão que dirigem está condenada ao fracasso, posto que não reúne todos os países interessados e dado que tem por objetivo de paz a impossível restauração da unidade sírio-iraquiana, enquanto que a única saída pacífica (atualmente irrealizável) seria a formação de uma grande confederação de povos, etnias, religiões do Oriente Médio com o aval da Organização das Nações Unidas, único antídoto para o Califado.

Coincidência
França está presente com sua aviação, pelos franceses muçulmanos que se incorporaram à guerra santa, pelos franceses muçulmanos que regressaram da guerra santa e agora está igualmente claro que o Oriente Médio está também no interior da França através da criminosa atividade que debuta com o atentado a Charlie Hebdo, como também está no conflito palestino-israelita.
Além disso, existe uma coincidência, por outra parte fortuita, entre o islamismo integrista assassino que acaba de se manifestar e as obras islamofóbicas de Zemmoury Houllebecq, convertidas em sintomas de uma virulência agravada da islamofobia no solo da França, mas também da Alemanha ou da Suécia.

O medo se agravará
O pensamento reducionista triunfa. Não somente os assassinos fanáticos creem combater as cruzadas e seus aliados os judeus (que os cruzados massacravam) como os islamofóbicos reduzem todo árabe a sua suposta crença no islão, reduzindo o islâmico ao islamismo, o islamismo ao integrismo, o integrismo ao terrorismo. Esse anti-islamismo se torna cada vez mais radical e obsessivo e tende a estigmatizar toda uma população mais importante ainda do que a população judia que foi estigmatizada pelo antissemitismo antes da guerra e de Vichy.
O medo se agravará entre os franceses de origem cristã, entre os de origem árabe, entre os de origem judia. Uns se sentem ameaçados pelos outros e está se produzindo um processo de decomposição que talvez possa parar na grande manifestação do sábado, 10 de janeiro, porque a resposta à decomposição é a união de todos, de todas as etnias, de todas as religiões e de todas as correntes políticas.

Edgar Morin é sociólogo e filósofo.

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